27 de julho de 2012

LEITURAS # 43

“ELEGIAS DE CRONOS, de NUNO DEMPSTER
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“ELEGIAS DE CRONOS, de NUNO DEMPSTER (Edições Artefacto, 2012), é o mais recente livro do autor, um conjunto de poemas extremamente coeso tematica e formalmente, estruturado em três partes: “MAS É DA BREVIDADE QUE VIVEMOS” («Mas é da brevidade que vivemos,/ da alegria que o instante gera/ e deixa na memória/ (…) e no entanto que longo é o hiato/ em que nada regressa/ e a memória se ausenta/ e nos faz escrever sem objecto.»), “MOVIMENTO CÉLERE” («Em toda a parte a gente se transforma/ em movimento célere,/ as partículas à volta de um íman/em contínuo (…)») e “LEITURAS FINAIS” («(…) E agora, que farei com essa imagem/ a brilhar-me nos olhos? Elegias?»). O título indicia o estilo (um discurso depurado e reflexivo) e o conteúdo (mais melancólico ou nostálgico): o tempo, o presente que é o instante sempre efémero, contendo o que já foi e o gérmen do que será.

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Talvez por isso também tripartido semanticamente, ao longo dos vários poemas. Da percepção do concreto imediato, com referentes do quotidiano, do campo e da cidade, das estações do ano, o poeta parte para uma reflexão sobre o passado, que é memória do que foi ou do que podia ter sido, na vida, na simplicidade, nos afectos, no amor, nos corpos, e do qual sobram a memória, a memória do real, concreto ou imaginário, mais ou menos distanciada e alterada, ou o vazio («(…) nem morro nem me mato (…)»,); sobre o presente que é instante curto e percepção do imediato concreto, da natureza, dos segundos vividos ou sentidos, é a necessidade de serenidade, brilho e permanência (metaforizadas nas múltiplas referências a elementos da natureza, nomeadamente, a «árvore», o «silêncio» e as estações do ano (que se metamorfoseiam num ciclo permanente de nascer, murchar e renascer, de permanentes renascimentos e mutações); e, em contraponto, é o ruído e a ruína da cidade, o irredutível fluir do tempo, como Cronos devorando os seus filhos. (breve, veloz, voraz, vulnerável e irreversível). E sobre o futuro, como um oco de incerteza e opacidade, mas também de alguma esperança de complacência. («Nada mais é caminho/ senão o que falta andar (…)», e alguma esperança de reconciliação com a nossa condição temporal, aceitando com que um “carpe diem”) [«(..) um foco de esperança às vezes/ indica-nos a porta/ por onde conseguimos escapar/ à sombra solitária que nos segue.», «(..) Talvez com as papoilas,/ lhe baste a cotovia: vê-la/ e nomeá-la só para ensinar o filho.», «Fujamos para aqui/ onde o presente ainda é nosso.» ]. Além disso, presente e memória do passado são sempre em estado de «metamorfose».
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Trata-se, pois, de uma reflexão, escutada em silêncio, no rumor da memória e dos dias, sobre essa realidade indizível de tempo, essa índole de solidão, ausente de deuses, e desse único instante real que passa irrevogavelmente. Nuno Dempster consegue dizer do tempo em palavras que fluem como as águas de um rio, ora paradas, ora mansas, ora límpidas, ora turvas, ora rápidas e convulsivas, e prevendo um desaguar fúnebre no mar das ondas primeiras e últimas: «Foi-se o tempo em que tudo e nada dura (…)», «(…) um tempo além do tempo (…)», «(…) o presente perpétuo em movimento (…)», «(…) uma rosa-dos-ventos/ sem pontos cardeais (…)», «(…) este lugar/ desolado onde estou (…)», «(…) os homens são insectos/ que em breve fugirão.(…)», «(…) uma vida limitada/ consumir-se, incolor, dura e a gasóleo.», «(…) O pior é que mortos como eu/ ainda se imaginam vivos. (…)», «(…) Este é o tempo/ medido com o sangue e o seu pulsar finito.»
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O tempo dita inadiavelmente o rumo dos nossos dias. O tempo perpassa-nos os dias, habitamos os instantes breves do tempo, e a poesia do indizível habita os poemas de Nuno Dempster. São reflexos do sentir e pensar do sujeito poético, na sua perspectiva de tempo, nos campos e nas árvores, na cidade buliçosa, no amor e nos afectos, na poesia, no acordo possível com esta nossa condição humana, na vida e na morte.
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