11 de fevereiro de 2009

LEITURAS # 27

RECADO

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo
de crateras extintas – vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Al Berto, Horto de Incêndio, 1996

5 comentários:

Paulo Lopes disse...

Al Berto. Ando sempre com um livro dele por perto. Só dispenso mesmo os sessenta comprimidos...

http://www.restaurantefidalgo.com/alberto/AlbertonoFidalgo.htm

Licínia Quitério disse...

O poema é um incêndio. Al Berto é um poeta tão grande!

Beijo.

Ana disse...

Coincidências que as afinidades nos trazem... hoje também escolhi um poema de Al Berto.
Um beijo.

Graça Pires disse...

Sempre um prazer incendiado reler Al Berto. Obrigada Maria M. e um grande beijo.

bookworm disse...

um dos meus poemas favoritos.