30 de agosto de 2012

LEITURAS # 45

DA POESIA I
...
Relendo sobre poesia, alhuns vários conceitos e começando por "Photomaton & Vox", de HERBERTO HELDER, aqui com alguma ironia ou senso de humor na argumentação:
...
«Ver sempre o poema como uma paisagem. Esta paisagem é dinâmica. »
..
«Declaram que a melhor maneira de contemplar a natureza é de cima de uma bicicleta (Marylin Monroe dixit); talvez a forma eleitamente apocalíptica e luminosa de escrutar a poesia seja de helicóptero. (…) Desde que se assegurou aristotelicamente a arte imitar a natureza, a natureza começou a desviar-se dentro da arte; e então a arte obrigou-se à expulsão da natureza, para ter a casa na sua ordem, e nela manter habitação, sono e insónia próprios, e o despertar e a vida seguida. (…) Veja-se que argutamente substituía, à visão horizontal dos interessados na natureza, a visão vertical – abissal – dos seus próprios panoramas, móveis (assim) em todos os sentidos e direcções, e até imóveis (para os casos obsessivos), quando o helicóptero estaca atentamente no ar, seduzido por particularidades ou generalidades do território poético, também dito texto, escrita ou discurso, conforme conveniências geográficas de dicção. (…) Quando começou a navegação aérea – isto é: nas alturas de Ícaro, apesar da biografia desastrosa-, começou-se logo também com o crepúsculo dos deuses. (…) Por esses dias apareceu gente a fundar na razão da poesia as razões primeiras misteriosas dos eventos. (…) estava inaugurado o uso corrente do helicóptero, o mesmo é dizer: percebia-se que a poesia é um uso – e usualmente abuso – da verticalidade. Good-bye, costumes horizontais e marilyanos da natureza!
Mas julgam que toda a gente desatou a viajar – tanto para o acto de fazer como para o de re-fazer (fruir) – de helicóptero? Há ainda quem viaje em mala-posta! (…)
Maiakóvski fala da bicicleta como um instrumento indispensável ao exercício poético. O poeta deve andar por toda a parte, de bicicleta veloz, para recolher as formas imediatas em que o mundo está a ser. A motocicleta é mais rápida, e o anjo tem toda a vantagem em ir, vir, aparecer, anunciar, munido de bicicleta. Os Anjos de Inferno, nos Estados Unidos, executam o pânico, a exterminação e o espectáculo em formidáveis motos de tubo de escape cortado para produzir um ruído infernal como o das trombetas do Apocalipse. Dies Irae.

A bicicleta do Arcanjo São Gabriel, anunciando a Maria a eleição e a subversão da natureza – a fecundidade na virgindade – é pintada de ouro, azul e prata. Porque não se vê, Fra Angelico usa a metáfora das asas nas costas do anjo, e pede desculpa com muitas cores. Foi preciso decifrar completamente esta metáfora para inventar a bicicleta. Daí para cá nunca mais se parou.»

Sem comentários: