18 de agosto de 2007

LEITURAS # 14

........Eu mal conseguia acreditar no jardim de Crumley.
........- Por que não? – Conduziu-me pela porta das traseiras do seu bangaló até um jardim verde, luxuriante e iluminado, com milhares de plantas, heras, papiros, aves-do-paraíso, plantas carnudas, cactos. Crumley irradiava alegria. – Tenho ali seis dúzias de espécies diferentes de epifilo, aquilo ali, encostado à vedação, é milho de Iowa, mais além está uma ameixeira, aquilo é um damasqueiro e ali uma laranjeira. Queres saber porquê?
........- Todas as pessoas do mundo precisam de se ocupar de duas ou três coisas diferentes – respondi, sem hesitar. – Uma ocupação não é suficiente, tal como uma vida não é suficiente. Quero ter uma dúzia de ambas.
........- Acertaste no alvo. Os médicos deviam cavar valas. Aqueles que cavam valas deviam dirigir jardins infantis uma vez por semana. Duas noites em cada dez, os filósofos deviam lavar pratos em água gordurosa. Os matemáticos deviam arbitrar jogos de liceu. Os poetas deviam conduzir camiões para mudarem as suas perspectivas e os detectives da polícia…
........- Deviam possuir e tratar do jardim do Éden – disse eu, em voz baixa.
........- Jesus. – Crumley riu-se e sacudiu a cabeça, olhando para a alga verde que ainda guardava na palma da mão. – És um chato com a mania de que sabe tudo. Pensas que me compreendeste? Surpresa! – Inclinou-se e girou uma torneira do jardim. – Escuta, como se costumava dizer. Atenção! (…)
........- O problema é que os outros tipos da esquadra nem sequer tentam fazer nada como isto. Triste, não te parece? Ser-se apenas um polícia e nada mais, para sempre? Cristo, suicidar-me-ia. Sabes que mais, só desejava trazer para aqui toda a podridão que vejo durante toda a semana e usá-la como fertilizante. Raios, que rosas teria!
........- Ou plantas carnívoras – repliquei.
........Ele pensou nisso por momentos e anuiu.

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Ray Bradbury, A Morte é um Acto Solitário

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