A dor dá-me novamente um corpo. Desde a puberdade que não tinha uma sensação tão forte de ter corpo, estou intensamente presente nele.
Só que este corpo tem alguma coisa de errado. É um corpo que arde a fogo lento.
E depois há a esperança. Na semana passada houve dois ou três dias em que eu tinha a certeza de que ela estava a desaparecer, que tudo voltara ao normal – já quase me tinha esquecido de como o meu corpo era normal antes de ter começado aquela dor lá atrás, nas costas. Não ousava ter esperança, naturalmente, mas tinha-a.
Nos meus pequenos passeios reparava que toda a paisagem nos últimos meses tinha adquirido como que uma tonalidade estranha por causa daquela dor. Aqui ou ali havia uma árvore onde a dor tinha sido mais intensa, aqui ou ali uma vedação onde tinha batido com a mão, ao caminhar. Quando passava novamente nesses sítios, nos dias em que não tinha dores, a dor parecia lá continuar, na vedação.
A dor é uma paisagem.
(…)
Ter esperança é quase tão difícil como o resto. Mas estamos mais habituados a ter esperança e a ter medo do que a estar no meio daquilo que esperamos ou tememos.
Aprendi: que não há nenhuma verdadeira saída para a vida.
Podemos quando muito adiar a decisão, com habilidade e astúcia. Mas não há saída. É um sistema totalmente fechado, e no fim existe só a morte. E a morte, claro, não é uma saída.
Lars Gustafsson, A Morte de um Apicultor
Só que este corpo tem alguma coisa de errado. É um corpo que arde a fogo lento.
E depois há a esperança. Na semana passada houve dois ou três dias em que eu tinha a certeza de que ela estava a desaparecer, que tudo voltara ao normal – já quase me tinha esquecido de como o meu corpo era normal antes de ter começado aquela dor lá atrás, nas costas. Não ousava ter esperança, naturalmente, mas tinha-a.
Nos meus pequenos passeios reparava que toda a paisagem nos últimos meses tinha adquirido como que uma tonalidade estranha por causa daquela dor. Aqui ou ali havia uma árvore onde a dor tinha sido mais intensa, aqui ou ali uma vedação onde tinha batido com a mão, ao caminhar. Quando passava novamente nesses sítios, nos dias em que não tinha dores, a dor parecia lá continuar, na vedação.
A dor é uma paisagem.
(…)
Ter esperança é quase tão difícil como o resto. Mas estamos mais habituados a ter esperança e a ter medo do que a estar no meio daquilo que esperamos ou tememos.
Aprendi: que não há nenhuma verdadeira saída para a vida.
Podemos quando muito adiar a decisão, com habilidade e astúcia. Mas não há saída. É um sistema totalmente fechado, e no fim existe só a morte. E a morte, claro, não é uma saída.
Lars Gustafsson, A Morte de um Apicultor
11 comentários:
Muito agradeço a tua visita ao meu Sítio.
E que prazer conhecer a tua escrita. Aqui voltarei assiduamente.
O arrepio da clarividência.
Eu diria - acrescentando o hfm - a lição da clarividência.
Um beijo
O que eu gostei de ler esse livro...
Maria,
Não consigo imaginar o sofrimento das grandes dores físicas.
A 'dor da alma'... Talvez!
Como explicar então, a quem se tortura que a esperança vale toda e qualquer dor?
Uma vez que a dor e o sofrimento são inerentes à natureza humana.
(A)braços :)
M.C
esse é outro dos livros que está na minha whishlist (graças à n., que me despertou o interesse para ele)
licínia,
obrigada pela visita e pelas palavras de apreço.
hfm e postscriptum,
clarividência... também foi essa a minha leitura do texto. uma lição sobre a vida e a morte.
n.,
sei que gostaste. e olha, lembrei-me disso (de tu e o jk terem gostado) quando estava a fazer o post.
m.c.,
tens razão, a dor faz parte da nossa vida.
no caso desta personagem (que sabia ter uma doença terminal), a noção de dor, vida, morte, esperança, é vista com maior «clarividência», como disseram atrás.
alex, lê e vais gostar certamente.
Olá Maria,
Fiquei curiosa com a leitura. Um beijo
jlr,
este é um livro pequeno materialmente, mas grande sobre a vida e a morte. bjo.
gostei muito deste livro, a seguir a lê-lo li tudo do autor, este era o melhor.
do autor só li despois «A amante colombiana», mas também achei este melhor.
obrigada pela visita :)
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