10 de junho de 2008

LEITURAS # 26

O homem gosta de criar e de construir caminhos, é indiscutível. Mas porque gosta também apaixonadamente da destruição e do caos? Vá, digam lá! Porém, acerca disto gostaria eu próprio de dizer duas palavrinhas especiais. Não será possível que o homem goste da destruição e do caos (porque é indiscutível que às vezes gosta muito, nada a fazer) porque tem um medo instintivo de alcançar o objectivo e concluir a construção do edifício? (…) E quem sabe (não há a certeza) se, talvez, todo o objectivo a que a humanidade aspira na terra consista exclusivamente nesta ininterrupção do processo de ir para um objectivo, por outras palavras, na própria vida, e não no objectivo em si, que sem dúvida outra coisa não é que o dois e dois serem quatro, ou seja, uma fórmula, mas dois mais dois são quatro não é vida, meus senhores, e sim o início da morte. Pelo menos, o homem sempre teve certo medo desse dois mais dois são quatro, e eu agora lhe tenho medo. Pois é, o homem não faz outra coisa senão procurar esses dois mais dois são quatro, atravessa oceanos, sacrifica a vida nessa procura, mas, na realidade, tem medo de encontrá-lo, juro. Porque sente que, quando o encontrar, não haverá mais nada para procurar. (…)
Entretanto, tenho a certeza que o homem nunca rejeitará o verdadeiro sofrimento, ou seja, a destruição e o caos. O sofrimento é a única causa da consciência. Embora eu tenha declarado, de início, que a meu ver a consciência é a maior desgraça do homem, sei que o homem gosta dela e não a vai trocar por quaisquer satisfações. A consciência, por exemplo, é infinitamente superior ao dois mais dois são quatro. Depois do dois mais dois, já não resta a certeza de nada, não só para fazer mas também para aprender. A única coisa que será então possível é taparmos os nossos cinco sentidos e mergulharmos na contemplação. Porém, com a consciência, ainda que o resultado seja o mesmo, ou seja, que também não haverá nada a fazer, pelo menos torna-se possível açoitarmo-nos a nós mesmos de vez em quando, o que anima um pouco. Embora pareça retrógrado, é melhor que nada.

Fiódor Dostoiévski, Cadernos do Subterrâneo, 1864

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