4 de dezembro de 2007

LEITURAS # 22

Hoje de manhã apareceram-me lá dois agentes da GNR, graduados. Um deles falava; outro ia tomando notas. Sugeriram que eu fosse para a Assistência Social, ali estaria bem, eles conseguiriam isso.
Imaginas-me numa sala a ouvir velhos (os que falam, que os outros babam-se) à espera do almoço?
Passei quase toda a minha vida por universos concentracionários: o internato do colégio Luís de Camões, na Beira, em Moçambique; a casa de reclusão que significa «prisão militar»; hospícios, o de S. João de Deus em Barcelos; o de Miguel Bombarda, em Lisboa.
Os agentes disseram-me que voltavam para me persuadir.
À saída digo-lhes: «encostem a porta, por favor».
De repente, ocorreu-me uma fábula de Esopo (grego que foi traduzido pelo fabulista francês La Fontaine) e chegou até nós por Bocage. Um lobo passa, com as costelas salientes, nos flancos, por um cão de pêlo muito luzidio. Diz-lhe o cão: «Tu escusas disso, pá!» O lobo ouvia. «Tenho ali a casota para me abrigar da chuva; refeições a as festas dos filhos da casa que gostam de mim.»
O lobo reparou numa depressão que havia à volta do pescoço desse cão, no pêlo.
«Que é isso, pá?»
«É da coleira…»
«Ora, ora…»

Sebastião Alba, Albas

5 comentários:

Graça Pires disse...

Terrivelmente lúcido.
Um beijo.

PostScriptum disse...

gostaria de ter escrito o que a Graça Pires escreveu. "Terrivelmente lúcido" a que acrescento "perturbador"
Beijo M

Joana Roque Lino disse...

gosto das tuas leituras, gosto da tua partilha. nunca é demais repeti-lo. ;)

Ana disse...

Fiquei a pensar se esta não seria a resposta ao desafio que te fiz no post anterior.
A liberdade tem muitas facetas. Excelente escolha a tua.
Um beijo, Maria.

Kalinka disse...

Hoje descobri o seu blog, pela mão da «encosta do mar».
Li:
"o internato do colégio Luís de Camões, na Beira, em Moçambique", como nasci na Beira - Moçambique, senti-me ligada a este maravilhoso local e decidi deixar umas palavras.