20 de maio de 2010

LEITURAS # 33

Desenham-se no céu os números da solidão
por onde James Joyce conseguiu escrever o romance
Ulisses há-de sê-lo bem o meu coração
eu, a minha solidão, o meu transe

A chaminé na cidade deita o fumo da minha angústia
o meu desespero projecta a minha intoxicação
Ulisses, cidade de Dublin, eu, Lisboa, minha cidade
eu, Lisboa, a chaminé, o meu coração

O fumo sobe que sobe sobe que sobe e enche o ar
cidade de Dublin, Lisboa
também te vou cantar

Grande nostalgia do teu néon luminoso
a sentir-se dentro de mim e a dizer-se que já não posso

Aqui a enorme cidade aqui a tentacular
o meu crime é de estudar o céu que me invade
e onde arranha o arranha-céu


***

A música vinha duma mansidão de consciência
era como que uma cadeira sentada sem
um não falar de coisa alguma com a palavra por baixo
nada faria prever que o vento fosse de azul para cima
e que a pose uma nostalgia de movimento deambulante
era-se como se tudo por cima duma vontade de fazer uma asa
nós não movimentamos o espaço mas a vida erege a cifra
constrói por dentro um vocábulo sem se saber
como o que será
era um sinal que vinha duma atmosfera simplificante
silêncio como um pássaro caído a falar do comprimento.


dois poemas de ANTÓNIO GANCHO, "O Ar da Manhã"

11 comentários:

maré disse...

um pássaro cansado da vertigem do antes na melancolia do agora

a melancolia "de estudar o céu"

obrigada maria.
um imenso beijo

hfm disse...

Belos!

Graça Pires disse...

Não conheço o autor mas gostei dos poemas. Obrigada pela partilha. Um grande beijo, Maria Manuel.

Licínia Quitério disse...

O poeta atormentado (mais um) que nos deixou belos poemas.
Obrigada por o teres lembrado aqui.

Mar Arável disse...

Mesmo quando as palavras parecem desarumadas o sentido do poema está lá no mais íntimo da matéria e pode voar e voa se na leitura lhe dermos asas.

Ana disse...

Um poeta que conheço mal , e fiquei com vontade de conhecer melhor !

Gabriela Rocha Martins disse...

enchem.se as manhãs com estes poemas atormentados



.
um beijo

APC disse...

Entre outras coisas boas, tens o dom da descoberta de gente pouco conhecida. Gostei muito. Beijinhos

vieira calado disse...

Entre o azul de Lisboa e a bruma de Dublin...

Por vezes...

quantas recordações!

Saudações poéticas.

Gabriela Rocha Martins disse...

no cansaço da escrita ,espero.te ,no outro lado da manhã




.
um beijo

Manuel Veiga disse...

poemas "desgrelhados". e belos...

livres, portanto.
excelentes
enorme talento.

beijos